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  • Milena Velloso

Panelaço no Vale


A vida no vale é marcada por uma forte atuação em coletivos . Os mais antigos moradores relatam que esse aspecto já foi mais presente, mas sinto como uma recém-chegada que a agenda participativa ainda é grande, a ponto de mal darmos conta dos compromissos pessoais assumidos. Com filhos em três escolas diferentes, passamos muitos sábados em mutirões e reuniões diversas. A boa nova é que em muitos desses encontros – talvez por ampla experiência de prática associativa e comunitária – as pessoas encaminham os desafios com mais tranquilidade, organização e menos egos. Faço o contraponto com os outros projetos coletivos em que já estive envolvida na cidade, muito bonitos também, porém mais desafiadores porque pareciam sempre estar na contracultura da ordem local.

É fato que o Capão tem uma vida comunitária bastante ativa, muitas associações, discussões em rodas amplas para encaminhamentos dos problemas locais, a maior parte do tempo de forma participativa . O que me leva a pensar que a Vida no Vale está permeada de atuações políticas, embora pareça estar em um ponto longínquo da macropolítica e das grandes discussões nacionais. Os engajamentos aqui parecem estar mais vinculados as subjetividades e quase nunca a grupos partidários.

Assim que o carnaval fora de época do último domingo e o panelaço durante a propaganda do Partido dos Trabalhadores por exemplo, passaram a léguas de distância do povoado ... Não se ouviu uma única panela bater que não fosse as que estavam na pia sendo lavadas ou no fogão prontas a servir as deliciosas receitas caponenses, geralmente vegetarianas. Coxinha mesmo, só de palmito de jaca, uma iguaria local.

A política deveria ser o espaço das possibilidades, fosse uma música, seria o silêncio entre as notas que torna a melodia possível, exequível. A arena do diálogo entre forças, quase nunca simétricas - mas ainda ternho esse sonho -, buscando ampliar seus espaços de atuação. A agonia que me dá quando adentro a ambiência das redes sociais, e constato que, por mais convicta que eu esteja das escolhas que fiz para minha vida – julgando que conseguiria me manter impune dessa loucura que virou a macro política com seus lados e sectarismos , o terreno está estéril para diálogos e semeaduras.

Não conseguimos apontar fatos, contextualizar debates com ninguém que não faça parte do nosso clube. O momento atual é de predisposições , nada de pontes e muitas barricadas. Os uniformizados da CBF estão ,com certeza muito mais organizados, tem roupinhas,coreografias, desejam a soberania do povo e a intervenção militar num mesmo cartaz , tudo ao mesmo tempo agora , porém não conseguem destilar suas indignações e solidariedades bem pertinho dali, em Osasco e Barueri , de mãos dadas com os familiares das vítimas da chacina tão recente em tmepo e próxima em espaço dos paulistas.

Para o os vermelhinhos, como eu, é difícil caminhar ao lado ou mesmo participar de rodas de conversas onde frases do tipo " O PT institucionalizou a corrupção no país , tá demais a roubalheira " sejam recorrentes. Para os laranjinhas, pobres coitados esses estão mais perdidos que cegos em tiroteio e vão conforme o grupo presente, ora vermelhos , ora amarelos, estão orfãos.

Fico tentada a um certo distanciamento dessa arena insana e polarizada ,repleta de lugares comuns e clichés.. a política enquanto território de impossibilidades e adesões é algo que receio não irá nos conduzir por caminhos interessantes , já vivemos isso antes, conhecemos onde vai dar.

Aprecio o bom combate, dia 20 estarei na Piedade , fico mais confortável carregando faixas como; mais moradias populares, mais terras para índios, Fora Cunha ...Mas confesso estar um pouco cansada dessas indentificações limitantes e que não constroem pontes: um mundo cheio de rótulos, dividido entre petistas e não petistas, crentes e cristãos, putas e santas, heteros e homos e de carregar bandeiras que não nos permitem transitar livremente entre os espaços e gentes. Eu amo, odeio e posso ser indiferente a esse governo ao mesmo tempo, mas me sinto obrigada a tomar um lado que nem concordo cem por cento, unicamente porque se construiu um palco de guerras em que, não tomar lado se constitui uma grave omissão. Se a turba dos indignados se pronuncia com intolerância, truculência, ignorâncias generalizadas de toda ordem, não há nada fazer a não ser apoiar o contraponto disso, embora não necessariamente concordemos ou tenhamos uma adesão irrestrita ao lado escolhido.

Esse sistema mostra claros sinais de decadência. Talvez a melhor forma de combatê-lo seja criando sistemas alternativos de convívio político e social onde possamos , mais do que exigir e profetizar mudanças, vivê-las no nosso dia-a-dia primeiro de forma dialética, independentemente dos transtornos e dificuldades que elas possam gerar.

Sou de pensamento Freireano e acho que a praxis precisa preceder a teoria. O comprometimento radical com o que se acredita precisa vir acompanhado de uma vida pautada nessa prática, e mais ainda, na defesa do direito que as outras partes têm de defender lados diferentes e serem comprometidas radicalmente também com esses interesses. Mas o diálogo precisa ser limpo, respeitando as regras do jogo.

Pois que aqui no Vale também vivenciamos essas simetrias de poder e verticalidades, mas também experimentamos horizontalidades a assimetrias que nos dão um certo arejamento, uma certa resistência em fazer parte de clubes que nos aceitam como sócios. Cada um vem muito aqui em busca de uma interiorização necessária para estarmos mais inteiros em qualquer sistema que escolhamos fazer parte, onde o sentido do viver abraça os ideias do viver ao passo que ética e estética finalmente possam dar as mãos.

Afinal, essa nossa vida moderna nos seduz constantemente a viver quase tudo pela metade , de forma panfletária, repleta de identificações, dissociados de nossa integridade. Temos sido convidados – e muitas vezes aceitamos – a uma vida compartimentalizada, repleta de papéis estanques, na qual a imagem do que somos e fazemos sobrepõe-se ao seu sentido, salvo rarísismas e deliciosas exceções de pessoas ou grupos que atingem uma compreensão mais profunda e imprimem em suas escolhas diárias esse ideal político superior, pagando muitas vezes um preço alto por isso, pois o sistema não recompensa muito bem quem resolver cortar na própria carne. É como Foucault bem nos disse: " Não fazer como aqueles que, ao serem picados pelas abelhas, renunciam a colher o mel".

Seremos picados pelas abelhas e ainda assim colheremos o seu mel !


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