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  • Aurelio Nunes

Os Sem-Time


Tenho evitado discutir futebol. E Observo que não sou só eu. Esse é um fenômeno cada vez mais recorrente. Alguns amigos se queixam de não ter mais paciência para bater boca com fanáticos. Outros deixaram de se queixar comigo porque acham que eu me incluo nessa categoria.

De minha parte confesso que minhas razões são outras. Tenho até saudade dos fanáticos. Embora seja sempre um risco à integridade física levar adiante um debate acalorado com um desses brucutus, eles parecem mais autênticos e mais autoconscientes que um novo tipo de torcedor que começa a se proliferar por aí: os sem-time.

Você pode achar que eles sempre existiram, mas ao contrário daqueles seres alienados (ou seriam alienígenas) que de quatro em quatro anos ganham as manchetes dos principais programas noticiosos por terem passado os 90 minutos da final da Copa do Mundo andando de bicicleta, fazendo yoga, ou meditando num parque fuleiro qualquer da cidade enquanto os 99,99% restantes da população estavam com os olhos grudados na TV, essa mais recente safra de sem-time ostenta uma sonsa indiferença. O cidadão começa dizendo que não gosta de futebol, depois desata a falar que todo cartola é ladrão e antes que você perceba ele já está soltando seus pitacos absolutamente isentos e imparciais como os dos programas televisivos que costuma assistir.

Pressionado, o máximo que um sem-time confessa é que torcem pelo Brasil, como se fosse possível não fazê-lo. O que me enfurece nesse tipo é a sua pretensa superioridade moral diante de nós, os assumida e doentiamente apaixonados por nosso time. Basta o primeiro dedo em riste denunciando a sua preferência pelo rival e o sem-time se sai com esta: “A diferença entre nós é que eu quero que todos os (cartolas) corruptos sejam presos, enquanto vocês só desejam que isso aconteça com os seus adversários”.

É nessa hora que o meu sangue ferve e que o meu zen-budismo é testado em sua máxima capacidade. É nessa hora que eu respiro fundo pra não virar um hooligan e respondo: “Na verdade é você que se incomoda mais, ou só se incomoda mesmo, quando o juiz rouba para o meu time”.

Com um fanático, essa discussão prosseguiria normalmente. O fanático admitiria que o mais importante mesmo é vencer, não competir; ou então evocaria as 100 milhões de vezes que seu time foi lesado; ou mesmo as 50 leis espirituais que justificam aquele pênalti mandrake que o juiz inventou aos 48min do segundo tempo.

Mas com o sem-time não. Ele fica ofendido quando rebaixados ao mesmo patamar que eu e você, reles mortais. Bota a bola debaixo do braço e simplesmente diz que o jogo acabou, como se fosse não apenas o dono da pelota, como também do apito. Parece indiferença, mas no fundo é intolerância mesmo.

Por isso tomo muito cuidado pra não falar de futebol em lugares públicos, como bares, restaurantes, arquibancadas e campos de várzea. Proibi o assunto em casa e nas reuniões familiares só debatemos religião, política, novela e outras futilidades afins. Assim não corremos risco de sair brigados, feridos ou entediados desses encontros.

Ah, e antes que o leitor amigo, sagaz como ninguém, me pergunte afinal, já que você tanto condena o centrismo clubístico-partidário, em que espectro do diagrama futebolístico você se posiciona? Em qual vertente do Ba-Vi, em que ponta do GreNal, em qual lado do Fla-Flu você se define, ora pois? E em verdade, em verdade essa eu mato no peito e sem deixar a bola quicar vos digo: sou Palmeiras e não abro. E se mais não respondo, é porque não me foi perguntado.


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