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  • Milena Velloso

Perdi algo lá atrás!


Faz mais de três meses que não passo por aqui. Nada entra ou sai direito dessa minha cabeça agoniada. Tenho bons motivos para culpar a ambiência da macropolítica, mas a bem da verdade é que estou vivendo um inferno astral para além do meu novo ciclo solar que já passou desde maio e parece ter se instalado por essas bandas sem dar muito sinal de partida. A crise, todos diriam, é ela a culpada! O dinheiro deixou de circular e todos vivem em um redemoinho de problemas e problemas, mas também receio que não seja esse o motivo.

Freud dizia que o único objeto verdadeiramente insubstituível para a gente é o perdido. Ele fala daquilo que nunca tivemos. Então, faz sentido que nossa relação com o desejo seja esta: imaginamos existir algo que nunca tivemos, mas que uma vez presente nos satisfaria totalmente. Só não sabemos o que é.

No meu caso eu sabia o que era. Sentia a ausência de dois dos meus quatro cachorros que haviam fugido após um acidente na estrada, durante o São João. Por quatro dias não tivemos o menor sinal de Bau e Sky nos contatos que fazíamos por telefone ou nas duas buscas próximas ao local onde o carro havia capotado. O suficiente para que eu resolvesse me instalar nas redondezas até encontrá-los. Todos os problemas que eu tinha pareciam insignificantes diante da dor dessa perda.

Assim foi que fiquei três dias hospedada na casa de seu Urbano, à beira da rodovia BR-242, perto do povoado do Zuca. Nesse período não fiz outra coisa que não fosse andar, andar e andar à procura dos meus amigos, para norte, sul, leste e oeste. Eram longas caminhadas. Pra onde me dissessem que havia um cão morto lá eu ia atrás para me certificar que não eram eles, os meus. E não eram!

Sky foi a primeira a ser encontrada. Depois Bau. Ambos magros, esfomeados, sedentos e assustados, provavelmente por não entenderem porque haviam sido deixados pra trás. Não deixei, não deixaria. A alegria do encontro e a gratidão diante do presente recebido durou alguns dias, semanas talvez. Logo depois já estávamos às voltas com os problemas de sempre. Talvez Freud esteja mesmo certo , so é realmente insubstituível aquilo que foi perdido de vez e que não encontramos ou se quer sabemos o que é. O fato é que tê-los encontrado facilitou por demais o meu cotidiano aqui, que há tempos andava meio enfadado

Por vezes me perco de tudo, noutras me escapam aspectos e relações de mim mesma que ficaram definitivamente para trás. Busco incessantemente por essas histórias, sensações que não mais me pertencem. Quando olho para trás me dou conta conta que eram menos parecidas com o que eu era que propriamente com o que estava acostumada a projetar que eu seria.

Muitos caminhos não têm volta, mas por vezes insisto muito e desejo tanto que tivessem, como se por meio da experiência adquirida com a aventura da entrega pudesse trazer todo o conforto da segurança do passado conhecido, e claro, acrescido de um punhado da experiência adquirida na viagem para perfazer aquilo que, acredito, seria a melhor versão de mim mesma. Só que não.

É preciso seguir novas trilhas, por mais desconhecidas, escuras e arriscadas que pareçam. Por mais alegria que tragam os reencontros, é preciso aceitar que para cada resgate existe uma parte que se perde, que nem tudo se recupera, principalmente se esse ‘tudo’ é um passado reciclado de uma incompletude apagada pela memória seletiva, algo cujo verniz e brilho só existiram no saudosismo que, generoso, faz as coisas parecerem melhores do que realmente foram.

Talvez o segredo pra manter a chama seja amar a vida e as próprias escolhas; resistir à tentação de interpretá-las como imposições. Uma boa dose de autocompaixão também ajuda a olhar pra tudo com mais humor. E de vez em quando, somente de vez em quando, o bom mesmo é simplesmente, sabendo o que foi perdido, se jogar com total entrega à sua busca e ao finalmente encontra-lo, celebrar tanto o encontro quanto a aventura ou desventura da busca.


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