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  • Milena Velloso

Sobre o mundo pós-Trump, tomates e bananeiras


Na mesma madrugada que Nila, nossa cadela de um ano e meio, dava a luz a 4 lindos filhotes, Donald Trump se elegia presidente dos Estados Unidos. O cansaço pela noite passada em vigília, com as demandas e cuidados que qualquer mãe de primeira viagem necessita, logo foi substituído por um desconforto generalizado, uma sensação de que algo já conhecido, amargado e já pensado superado, voltava a nos rondar.Perplexos e atônitos seguimos com as funções de administrar uma família e casa onde habitam juntos 3 filhos, 3 cachorros, um gato e agora 4 filhotes. O tempo estava seco, fazia dias que não chovia, muito diferente de agora que chove tanto que mal consigo ouvir as palavras na minha cabeça devido ao forte som das trovoadas e raios que caem no Vale. O ar seco daquele dia ampliava a sensação de asfixia , tornando tudo mais pesado do que já era.

Mercado, vila, rio, montanhas, pessoas, mata tudo aqui parecia ignorar com um desprezo desconcertante o resultado das eleições nos Estados Unidos . O Vale seguia "ileso" aos possíveis e impossíveis desdobramentos que a eleição de um mentecapto em uma das supostas maiores democracias do planeta poderiam ter. Aparentemente poucos comunistas, petralhas e moradores daqui deveriam estar tão incomodados ou mais do que eu naquela modorrenta manhã de terça-feira. Adentrando as redes sociais o sentimento era completamente inverso: o mundo iria acabar e todos íamos morrer! assim passava de um meme pro outro e outro e outro e tudo que se lia era sobre o fim dos tempos e o apocalipse. Mais asfixia e já não conseguia respirar!!!!

Por sorte os filhotes eram lindos e faziam barulhos de bebês que há anos sinto falta de ouvir e ter ao meu redor. Era um gemido pra cá, outro pra lá e a presença forte de Nila cuidando de suas crias, com todo amor e dedicação que uma fêmea geralmente o faz, foi mais do que um bálsamo, uma distração que nos convidada a ignorar, como o Vale, tudo o que não estivesse acontecendo dentro daqui e aqui dentro. Assim, que antes que dessem cabo no dia, ou Deus por desespero ou o diabo por alegria, colhemos uma penca linda de bananas , a primeira das nossas bananeiras plantadas há quase dois anos e que julgávamos já perdidas. Quando fomos olhar mais de perto encontramos os pés recheados de pencas, ( em uma continha rápida economizaremos uns bons trocados nos próximos meses!) e ainda fomos surpreendidos por Marina, a nossa Dum, chegando com uma cesta cheia de tomates cerejas de dois pés que haviam brotado,, provavelmente germinados pelo vento ou pássaros, mais afastados da casa, lé pelo caminho do rio. Ficamos todos tão contentes que eu pessoalmente fui capaz de esquecer por algumas horas desse coroação da estupidez sobre a lucidez : Trump e Temer (porque ambos pra mim são mentecaptos, frutos da mesma árvore) foram absolutamente esquecidos, a sequência de miudezas da terra e dos bichos nos reabasteceram de novas esperanças.

Muito embora aqui e lá pareçam seguir com proximidades de desejos e anseios por escuridões já conhecidas, os nossos tomates, bananeiras e filhotes também insistem em seguir acontecendo e fazendo a vida bela e possível apesar de tantos outros estranhamentos desconfortantes. Se o mundo lá fora insiste em desmoronar , ignorar a própria história transcorrida e vivida e escolhe pulsar com a morte, os

meus tomateiros e bananeiras me convidam a transgredir com leveza e suavidade essa " tendência " de caminhos que o mundo segue e me força a pulsar com a vida! Me convida a seguir em frente e olhar mais para mundos de proximidades menores, com raios e diâmetros mais curtos e ir distanciando o olhar para o que está fora,até situar toda essa loucura em milhões e bilhões de anos de processo civilizatório, até tudo ficar bem pequenino, do tamanho dos tomates cerejas que colhemos. De repente fui tomada por um sentimento de que todo esse horror que me interpela de uma forma tão violenta e incompreensível, tudo isso servirá um dia, muito distante de hoje, infelizmente, e com raios de retorno inimagináveis para o nosso senso de urgência e justiça, para um propósito mais forte do que queremos construir enquanto civilização! Uma espécie de semente alopata de um amanhã porvir e talvez esse amanhã precisasse de toda essa escuridão nefasta que nos cega hoje, de toda essa ignorância latente que nos divide.

É que penso e sinto cada vez mais que quando a vida fora nos convida a abandonos, incompreensões e desumanidades, talvez seja a hora de colher os frutos das pequenas coisas que plantamos nesse mundo, olhar mais ainda, de mais perto e com mais cuidado para as miudezas que essas trocas verdadeiras podem nos proporcionar. Pois a Terra, e o tempo, palcos onde tecemos nossas vidas, seguem justos apesar de muitos dos seus filhos persistirem em caminhos não muito virtuosos: se plantarmos bananeiras, por certo colheremos bananas, e coisas boas que não foram semeadas podem ser trazidas pelo vento, desde que o solo seja fértil!!


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