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  • Milena Velloso

Somos todos vermelhos, sejamos santos ou não


Nessa sexta-feira da Paixão começo a escrever sobre crucificações e ressureições e imediatamente sou questionada por Lelo, meu marido, sobre o sentido desse tema em um blog intitulado Vida no Vale. Respondo que aqui no Capão sou interpelada aqui pelos mesmos questionamentos e reflexões que seria em qualquer outro lugar, que não me apartei do que me move, me emociona de forma significativa na vida. Vir morar na Chapada não me exigiu nenhuma renúncia sobre o que me edifica, meus defeitos ou minhas qualidades. Vivo aqui, nessas ruas, com essas novas pessoas e novos caminhos, mas continuo a mesma, mesmo naquilo que entendo que mudei.

Hoje alguns se sentarão em uma mesa farta, com ou sem carne, e comungarão juntos aos seus amigos e familiares os seus valores supostamente cristãos. Alguns poucos talvez conheçam e respeitem profundamente o simbolismo da morte e da ressureição, sobre o sacrifício e entrega que foram feitos em nome de todos nós, filhos de Deus; sobre o compromisso e luta históricos de homens e mulheres por um mundo mais justo e melhor para todos e não somente para os "escolhidos"; sobre as consequências e expiações advindas de uma batalha interminável por mais justiça social, por mais direitos para quem mais precisa; sobre minorias e os invisíveis da sociedade; sobre párias, pobres e putas e sobre o ser crístico que existe dentro de cada um de nós e a nossa capacidade de matar, morrer e viver por ele, na carne e não somente na palavra.

Penso na nossa natureza eminentemente humana de homens e mulheres, filhos de Adão e Eva, da maçã, sempre a maçã vermelha, a nos provocar para que caminhemos aceitando pagar pelo preço das nossas escolhas. Penso no quão desafiadora ainda é essa árdua missão de caminhar juntos em alteridade e plena aceitação do outro. Desejamos o Cristo Redentor, mas fracassamos diariamente na missão de fazer cumprir em nosso interior e nas nossas ações sua possibilidade de ascendermos aos céus por tudo que o praticamos na terra.

Vermelho foi a cor que escorreu do corpo do cristo crucificado há quase dois milênios na cruz em Gólgota. É a cor do sangue de todos os seus irmãos e irmãs na terra, mesmo daqueles que hoje negam essa cor e crucificam-na sem perdão e sem a visão do homem dentro da cor, da alma dentro do corpo de todos que a escolheram para vesti-la.

Lelo me diz que Cristo é maior do que tudo isso que estamos vivendo e replico que não. Afinal, porque Jesus morreu se não foi por defender putas, pobres e párias, e por querer, como um bom comunista, que todos se sentassem à mesa do pai como irmãos e irmãs na terra? Não foi também ele que desejou que a Justiça se fizesse vida e carne e não somente palavras ao vento? Que fôssemos capazes de enxergar o outro como nosso semelhante em direitos e deveres? Hoje é sobre igualdade, fraternidade e solidariedade e se a trilogia desses valores crísticos foram apropriados por uma revolução eminentemente burguesa, isso não desqualifica a força dessas palavras que ainda não se fizeram ação!

Posto que hoje, ao sentarmos à mesa, pensemos em como vivemos e praticamos nossas crucificações e ressureições e em como temos caminhado como irmãos pelo mundo e nos lembremos do vermelho que corre nas nossas veias e que alimenta o nosso corpo com força e nossa alma com amor ou ódio.

Uma Páscoa Santa para todos nós, pois santo é o povo que se senta ao lado do Pai à sua mesa e luta ao seu lado em verdade e valor para que o pão chegue a todas mesas em abundância e direitos iguais.

Muito Axé!


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